por Rodrigo Herrero Lopes (laugh.dross@bol.com.br)
uando tudo permite imaginar que se tornou possível a criação de um mundo veraz, o que é imposto é um mundo de fabulações, que se aproveita do alargamento de todos os contextos para consagrar um discurso único”. Essa é uma das definições ácidas que Milton Santos faz em seu livro Por uma Outra Globalização: do Pensamento Único à Consciência Universal (2000) ao modo como a globalização atual se apresenta. Para ele, a forma atual promove uma homogeneização das nações, acabando com a identidade e soberania de cada país, pois não respeita nenhuma particularidade, cultura ou civilização.
Apesar de aparentar um texto pessimista e crítico, o autor direciona seu trabalho em busca de uma alternativa para a globalização, fato ocorrido no capítulo derradeiro. Porém, primeiro ele a divide em três mundos: a globalização como fábula (o mundo como nos fazem vê-lo), a globalização como perversidade (a mesma como realmente é) e por último uma outra possibilidade de globalização. Esta procura um viés mais solidário, em que todos sejam participantes desse processo histórico.
Contudo, para entender como funciona a globalização, na visão do autor, é preciso apreender a seguinte coisa: a história sempre realizou-se tanto pelas técnicas quanto pela política, estando as duas intrinsecamente ligadas. O problema é quem manuseia essas duas forças. Hoje elas encontram-se em poder das grandes potências que, utilizando-se dessas técnicas avançadas, impõem a chamada “globalização perversa”. Essa é, na visão de Milton Santos, a que vivemos atualmente: desemprego crônico, mortalidade infantil alta, a desnacionalização das economias nacionais periféricas, bem como a pobreza exacerbada e encarada como fator natural da civilização, gerada pelas palavras de que estamos em um processo irreversível da história, em que nada poderá alterar a globalização que aí está. Isso, para facilitar as estratégias de domínio e unificação, em detrimento da liberdade e união dos povos.
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Milton Santos |
O autor usa a expressão “globalitarismo” para expressar o totalitarismo que as nações hegemônicas impõem nas periféricas, seja no âmbito econômico, social ou cultural. E isso ocorre principalmente através da “tirania da informação” e da tirania do dinheiro. A primeira funciona da seguinte forma: para Santos, a informação levada à humanidade é manipulada, tendo o intuito de confundir e não esclarecer. “As mídias nacionais se globalizam, (...) falsificam-se os eventos, já que não é propriamente o fato que a mídia nos dá, mas uma interpretação, isto é, a notícia”. Para ele o fato é entregue maquiado ao leitor, sem um aprofundamento maior nos acontecimentos, o que, se acontecesse, desvirtuaria o interesse dessas mídias.
A segunda refere-se a “internacionalização do capital financeiro”. Mas isso só é possível com a “morte do Estado”, que “traria” melhorias a vida humana, pois aumentaria a liberdade dos homens de produzir e viver de suas próprias forças. Acontece que além dessa premissa libertária ser enganosa, o Estado não morre, e sim é enfraquecido, porém permanece regulador da economia nacional, para manter o “mercado global” forte e investidor no país. Só que as empresas investem com uma lógica de recuperar esses valores, através da especulação que faz o dinheiro “passear” pelos “periféricos” e voltar ao poder hegemônico em outras formas, como crédito ou dívida. Portanto, o Estado vira refém dessas transnacionais que ditam as regras e as direções que os gastos públicos devem seguir, deixando livre a economia de entraves que possam imobilizar alguma situação.
No entanto, é interessante a proposição de Milton Santos em nos mostrar nesse livro uma perspectiva positiva. Apesar de toda essa “perversidade sistêmica” prevalecendo hoje em dia, há uma boa possibilidade de começar uma mudança estrutural da globalização atual. Ele afirma que essa mudança deve acontecer “de baixo para cima”, a partir dos países subdesenvolvidos, pois apenas esses tem condições de tirar a hegemonia da tríade (Estados Unidos, Europa e Japão) dominante. Até porque, nas condições históricas atuais, para ele, as nações desenvolvidas não possuem uma tendência de reconstrução deste quadro desolador.
E uma dessas maneiras de se reerguer está na cultura popular que se apropria das técnicas e instrumentos da cultura de massa para criar uma alternativa e até rivalizar com a cultura de mercado. Outro fator importante é que essa situação ocasiona outras que nos possibilitam um novo horizonte. Esse grupo de pessoas que se une com essa proposta, faz surgir além dessa cultura territorializada, uma economia, um discurso e uma política territorializada. Isso tudo valoriza a convivência entre os cidadãos do local, com uma solidariedade e comprometimento maior dos mesmos.
“Mas uma globalização supõe uma mudança radical das condições atuais, de modo que a centralidade de todas as ações seja localizada no homem”. Essa perspectiva nos coloca, mais uma vez, como os personagens principais dessa nova globalização que precisa, de acordo com o autor, ser vislumbrada e realizada. A partir dessa consciência pode-se iniciar os primeiro passos em prol de uma convivência mais digna, onde a miséria seja extirpada, e a justiça e a liberdade sejam realmente expressas, destruindo as lógicas maléficas que se sobrepõem nesse novo século.
http://www.rabisco.com.br/13/globalizacao.htm
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